Música na Igreja: Qual o Propósito?

08:57 Oséias Pereira 0 Comentarios


Música na Igreja: Qual o Propósito?
Paulo M. S. Sobrinho


Observação: Embora este artigo tenha sido escrito para o contexto da Igreja Presbiteriana, compreendemos que as lições e propostas aqui sugeridas tem uma perfeita aplicabilidade ao contexto da Música Sacra e Adoração na Igreja Adventista do Sétimo Dia.


Introdução
Começo este texto fazendo duas observações que descrevem a situação da adoração na igreja presbiteriana em épocas diferentes. Em 1855, Charles W. Baird escreveu um livro chamado “Eutaxia”, onde ele lamenta a situação da adoração em nossa igreja. Diz ele, citado por Terry Johnson, que “tudo é deixado à individualidade sem a ajuda do ministro”[1]. No mesmo artigo em que Johnson cita Baird, ele afirma que “hoje é impossível entrar em uma igreja presbiteriana e saber que estilo de adoração encontraremos... poderia ser um presbiteriano tradicional, um batista reavivalista, carismático ou episcopal”[2]. Apesar de Johnson ser um pastor da Igreja Presbiteriana Independente, em Savannah, ele faz uma crítica que abrange as igrejas presbiterianas no Brasil. Mas é bom lembrar que adoração foi uma preocupação central dos cristãos, pelo menos na época da reforma. Tanto é assim, que, para Calvino, a adoração é a substância de toda fé cristã.
A música desenvolvida em nossas igrejas, hoje, tem sido uma das minhas preocupações constantes, isso porque a Igreja de Cristo ainda não atentou para o uso da música no culto como um meio para ensinar, exortar, instruir, como a Bíblia nos indica em algumas passagens. Em contrapartida, parecem usar música como um meio de diversão, onde o cantar perde a sua função primeira para dar lugar ao entretenimento, negligenciando-se o texto que se canta. Desta forma, o culto perde o seu sentido e passa a ser avaliado a partir da quantidade de cânticos cantados e pelo ritmo.
Certa vez, uma jovem adolescente de uma igreja classificada como “renovada” foi visitar nossa igreja. Alguns dias depois eu a encontrei e ela comentou que o culto na minha igreja era “estranho”. Perguntei a ela! “Por que estranho?” Ela me respondeu que era parado, ou seja, não havia movimento, dança, palmas, nem muita música com ritmos excitantes. É provável que isso seja um reflexo da “geração corpo sarado”, onde a idéia de vida saudável e sadia reside na agitação, em exercícios físicos que usam a música como motivação. Para esse tipo de pessoa, o culto só traz satisfação quando a música preenche estas necessidades físicas de movimento. Assim, o ritmo empregado nas músicas passa a ser um critério de avaliação do culto. Um culto com muitas músicas ritmadas é um culto “bom”, mas, se não houver cânticos e palmas ou danças, o culto é classificado como “ruim”. Essa visão errônea sobre a utilização da música no culto é, muitas vezes, decorrente da falta de orientação musical tão necessária para se evitar o uso de melodias tecnicamente impróprias e textos que acabam obscurecendo verdades profundas da Bíblia.
É nosso intento abordar, de forma sintética, o ministério de música sob uma perspectiva bíblica e mostrar que o seu uso pedagógico pode auxiliar o projeto evangelístico da igreja, fazendo com que as pessoas retenham com mais facilidade os ensinos bíblicos.
Cremos que uma Igreja com um “ministério de música”, com conhecimentos musicais e teológicos amplos facilitará o processo de comunhão dos cristãos entre si e destes com Deus.
O que é o Ministério de Música?
A palavra “ministério” deve ser entendida como “exercício de um serviço religioso especial”. Assim sendo, “ministério de música” é o serviço musical desenvolvido no culto por um grupo de pessoas com habilidades musicais e conhecimentos teológicos sólidos, que permitam a ministração da música na igreja. O ministério de música, representado por um diretor, é o órgão responsável por toda a atividade de música da congregação (escolha de repertório, orientação e ensino), implementando uma filosofia musical que atenda aos propósitos doutrinários e de proclamação da Palavra de Deus.
No livro de I Crônicas 6.32, encontramos que o ministério de música desenvolvido pelos cantores levitas foi uma ordem expressa de Deus. Diz o versículo 32: “Ministravam diante do tabernáculo da tenda da congregação com cânticos, até que Salomão edificou a casa do Senhor em Jerusalém; e exercitavam o seu ministério segundo a ordem prescrita.”[3] Outra passagem que menciona a organização de um ministério de música, encontra-se também em I Crônicas 25.1, que diz:“Davi juntamente com os chefes do serviço, separou para o ministério os filhos de Asafe, de Hemã e de Jedutum, para profetizarem com harpas, alaúdes e címbalos...[4]”. Davi, obedecendo a uma ordem divina, dividiu os músicos a partir de suas famílias: a família de Asafe, a família de Hemã e a família de Jedutum. O texto diz que os filhos estavam sob a direção de seus respectivos patriarcas (v.6) e que todos eles eram mestres (v.7). Desta passagem podemos abstrair algumas lições importantes. Primeiramente, a evidência de uma hierarquia que se inicia em Deus para Davi, de Davi para os três chefes de família e, em seguida, dos chefes para seus filhos. Segundo, eram separados para o ministério. Terceiro, todos eram preparados tecnicamente para o serviço de louvor a Deus. Disso concluímos que não basta o cristão ter boa vontade para participar do ministério de música. Há alguns requisitos que devem ser observados para que o músico participe deste ministério musical.
É interessante notar, que nesta passagem, os músicos “profetizaram com harpas...” O “canto dos louvores a Deus é aqui chamado profecia[5].” Esta idéia dos levitas serem uma espécie de profeta é também reforçada em Êxodo 15.20 (A profetisa Miriã, irmã de Arão, tomou um tamborim, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamborins e com danças...) e em I Samuel 10.5 (...encontrarás um grupo de profetas que descem do alto, precedidos de saltérios e tambores e flautas e harpas, e eles estarão profetizando).
Objetivo
O “Ministério da Música” tem como objetivo colaborar no crescimento espiritual da igreja e ajudá-la a atingir um certo nível de sensibilidade musical, permitindo uma seleção consciente do melhor estilo musical que venha atender às necessidades do povo de Deus, de maneira que todos possam expressar a fé em Cristo de forma comunal.
Se perguntarmos a qualquer cristão sobre a finalidade da música no culto, a primeira resposta será: para o louvor de Deus. Porém, ele não se dá conta de que há na música dois aspectos distintos: uma melodia, que é a música propriamente dita e o texto. É através do texto que louvamos a Deus, pois louvar implica tecer elogios e isto é mais bem compreendido por meio de palavras e não de sons, o que não significa que a música sem palavra não possa comunicar emoções e idéias, pois ela tem seu próprio vocabulário. Porém, é através dos sons que as palavras são mais bem memorizadas.
Música como Veículo
O uso da música como meio pedagógico parece ser evidente nas Escrituras. No Velho Testamento é freqüente o uso da música em cerimônias festivas, quase sempre depois de uma vitória contra o inimigo. Em Êxodo 15.20-21, encontramos a profetisa Miriã festejando a vitória que o seu povo conquistou ao passar pelo mar vermelho. O cântico dizia assim: “Cantai ao Senhor, porque gloriosamente triunfou, e precipitou no mar o cavalo e o seu cavaleiro[6]”. O poder Soberano de Deus é evidente nesta canção, cantada com acompanhamento de tamborins e com danças. Com esta mensagem musical, a profetisa Miriã estava ensinando que Deus é inigualável em poder; que não há deus que se compare ao Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. A vida do rei Davi é repleta de exemplos como este de Miriã, onde se canta com a finalidade de festejar uma vitória, como para ensinar, instruir e exortar o povo.
No Novo Testamento há algumas passagens que reforçam a idéia do uso da música como meio de instrução e ensino. Em Colossenses 3.16, o apóstolo Paulo nos diz: “Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda sabedoria, louvando a Deus, com salmos e hinos e cânticos espirituais, com gratidão, em vossos corações[7]”. Paulo faz uma exortação aos irmãos de Colossos afirmando que o cristão que se une a Cristo pensa nas coisas do alto. Ele deve morrer para as coisas terrenas, pois a velha natureza busca coisas transitórias. A partir do verso 5, o apóstolo descreve a conduta daqueles cuja natureza não está unida a Cristo e que através desta conduta desregrada vem a ira de Deus. Em contra partida, ele diz que a conduta daqueles que foram revestidos com o poder de Cristo deve ser totalmente diferente. O novo homem em Cristo deve se portar como eleito de Deus; deve ser paciente um com o outro; deve amar o próximo, pois, quando a palavra de Cristo habita plenamente no coração do cristão, as atitudes devem ser outras. O cristão passa a instruir um ao outro; ele passa a aconselhar com a autoridade conferida pela união com Cristo, e os meios são: com salmos, com hinos e cânticos espirituais. Nas palavras de Leonard R. Payton: “o apóstolo nos falou que a maneira como a Palavra de Cristo habita dentro de nós é que nós ensinamos e prevenimos um ao outro com salmos, com hinos e cânticos espirituais[8].
Estas três expressões aparecem também na epístola aos Efésios 5.19. Embora a passagem não faça referência explícita à questão do ensino, podemos verificar implicitamente que o apóstolo Paulo ao procurar mostrar o contraste entre as práticas dos cristãos e a dos pagãos, exorta para que as canções dos cristãos sejam diferentes das canções dos pagãos, porque, enquanto os pagãos cantam em seus banquetes para se divertirem com vinho, as canções dos cristãos devem conter exortações, profecias, ensino, pois eles (os cristãos) possuem um coração pleno do Espírito de Deus.
A razão pela qual percebemos uma referência implícita nesta passagem de Efésios, reside em dois fatos. Primeiro, os salmos eram utilizados como livro de instrução do povo de Israel e “os músicos levitas catequizavam a nação de Israel através do canto dos salmos[9]”. Segundo, o apóstolo Paulo não faz distinção entre os termos salmo, hino e cânticos espirituais. Para ele, estas expressões possuem o mesmo significado: “música de louvor a Deus”. Além do mais, sendo ele um hebreu que falava grego e “familiarizado com estas expressões, é natural que estivesse se referindo ao Saltério[10]”. Quanto ao adjetivo “espiritual”, “descreve a sua qualidade como algo dado diretamente pelo Espírito Santo[11]”. É provável que Paulo tenha lembrado da grande importância que as canções dos salmos tiveram na vida do povo de Israel e quisesse lembrar isso aos cristãos do Novo Testamento, confrontando a música dos salmos com as canções dos pagãos. Em outras palavras: é mais instrutivo cantar salmos, hinos e cânticos para ensino do povo de Deus, do que as canções divertidas dos bêbados.
Os hinos dizem respeito aos novos hinos introduzidos na Igreja, encontrados no Novo Testamento. São eles o “Magnificat”(Lc 1:46-55), o “Benedictus” (Lc 1.68-79), o “Nunc Dimittis” (Lc 2.29-32) e vários outros espalhados pela Bíblia. Estes hinos, segundo Solange Corbin, “representavam a introdução do canto popular na liturgia”[12]. Há divergências quanto a definição de cânticos, porém, segundo alguns estudiosos, estes cânticos parecem ser músicas cujos conteúdos não são retirados diretamente da bíblia. A autora também defende o mesmo ponto de vista do apóstolo quanto ao significado dos termos salmos, hinos e cânticos. Ela afirma que os hebreus “não faziam nenhuma distinção musical ou verbal entre salmos, hinos e cânticos”[13]. Esta afirmação é por demais importante, pois sinaliza para uma questão tão discutida atualmente e que diz respeito ao estilo musical apropriado ao culto. É claro que não é sensato estabelecer um único estilo musical como forma de expressão da fé cristã; além do mais, não cabe ao ministério de música incentivar um estilo musical que atenda apenas uma parte da Igreja mas, sim, procurar estabelecer uma linguagem musical que seja compreensível à comunidade como um todo. Porém, isso não significa que ela deixe de estabelecer critérios para a escolha de seu repertório, como por exemplo: conteúdo e composição.
A Música no Período da Reforma
A reforma protestante foi um movimento muito significativo tanto para a teologia quanto para a música, no sentido em que, a partir deste movimento, o povo pode participar mais ativamente do culto. Na teologia , a grande novidade foi a possibilidade de acesso aos escritos bíblicos, já que, até então, este privilégio era reservado exclusivamente ao clero. Na música, isso pode ser facilmente percebido pelas “inovações” do monge Martinho Lutero. Na época de Lutero, o cristão participava da música somente em pequenos trechos como, améns, aleluias, etc. A participação mais efetiva ficava sob a responsabilidade do clero, porque se consideravam os únicos “santos” da terra com condições espirituais para louvar a Deus. Com a Reforma do século XVI, veio também a liberdade de leitura da Palavra de Deus no vernáculo e a possibilidade do canto congregacional em uníssono, tão importante para “ajudar a congregação a experimentar a presença de Deus[14]”.
Na esperança de levar os ideais reformistas adiante, Lutero percebe que poderia usar a música como suporte para a proclamação do evangelho e difundir os novos conceitos doutrinários, que, aliados à nova perspectiva musical, revolucionariam o mundo no século XVI. O procedimento de Lutero foi o seguinte: ele toma algumas melodias do repertório popular e de outras fontes, para doutrinar os fiéis. Segundo ele, o povo deveria aprender doutrinas bíblicas cantando melodias simples relacionadas ao seu dia-a-dia. Este procedimento foi extremamente importante para o sucesso da reforma. Em carta escrita a Spalatinus, secretário de Frederick I, Lutero revela seu intento: “(Nosso) plano é seguir o exemplo dos Profetas e os Pais antigos da Igreja e compor salmos para as pessoas no vernáculo... de forma que a Palavra de Deus também possa estar entre as pessoas em forma de música”.[15] É evidente que a música tinha um lugar muito especial para Lutero e seu ministério e esse destaque pode ser confirmado na declaração de um jesuíta chamado Conzenius, que disse: “Lutero persuadiu mais pessoas com seus hinos do que com os seus sermões”.[16] Isso não significa que seus sermões fossem de péssima qualidade, mas, parece-nos uma declaração viva da eficácia da música como meio de instrução; de memorização de textos e idéias. No entender de Lutero, a música deve ser usada como meio através do qual a Palavra de Deus possa ser ensinada e gravada na memória do povo.
Outro reformador que usou a música como suporte ao ensino das Escrituras foi João Calvino, apesar de ter uma posição totalmente diferente de Lutero no que diz respeito a sua visão musical. Para entender o ponto de vista de Calvino sobre a música é necessário conhecer também a sua teologia. Ele não permitia o uso de instrumentos musicais e nem qualquer música no culto. Calvino defendia o uso exclusivo da Salmódia, que era uma coleção de cântico dos Salmos de Davi, pois, segundo ele, a depravação da raça humana, poderia comprometer a pureza do Evangelho de Cristo. Diz ele em sua obra intitulada “As Institutas da Religião Cristã, volume III, que “as Escrituras nos dizem que todas as nossas obras são maculadas, e, portanto, não podem suportar o escrutínio de Deus[17]”.
Várias outras passagens bíblicas poderiam ser citadas para reforçar a tese sobre o uso da música como meio didático, porém, isso parece desnecessário. Mas, para mostrar a contemporaneidade dessa discussão, gostaria de lembrar aos leitores que nossa vida é cercada de música de todos os estilos e gostos. Assim, verificamos que a música está presente em quase todos os lugares onde passamos: na praça, no elevador, no restaurante, nos comerciais de TV e Rádio, no supermercado, etc., e não percebemos como ela tem influenciado nossas atitudes. Quando entramos no supermercado para fazer compras ouvimos uma música ambiente, quase sempre ritmada, que tem por finalidade interferir na nossa psiquê, induzindo-nos a gastar mais do que o previsto no nosso orçamento mensal. Kimmo Lehtonen diz “que a música é um dos melhores modos de ativar processos psíquicos[18]”. O autor afirma “que a música traz à nossa mente recordações significantes, quadros mentais e experiências do nosso passado...”[19]. Esta constatação nos faz concluir que a música pode e deve ser usada como meio de memorização de conteúdos, mas devemos ter cuidado para não cedermos à tentação de usá-la para manipular consciências em proveito próprio, o que seria lamentável. Na comemoração dos quarenta anos da UMP da Primeira igreja Presbiteriana em Queimados, tivemos a oportunidade de experimentar de forma marcante o que Lehtonen afirma. Ao ouvir duas canções que marcaram uma época, recordamos momentos significantes de alegrias e até mesmo de tristezas pelos quais algumas pessoas passaram naquela época. Momentos que dificilmente se apagarão de suas memórias. Por essa razão, é que defendemos o uso da música como um canal facilitador do ensino, da exortação e admoestação do povo de Deus. Para tanto, é necessário um conjunto de ações e atitudes que culminem neste propósito, como por exemplo, o tipo de teologia que é desenvolvida, a concepção de culto, liturgia (ordem de culto), ter uma visão clara do propósito da música no culto e programas de ensinos.
Música e Culto Contemporâneos
Dos anos 70 para cá, a música de Igreja tem sofrido uma grande transformação tanto na sua prática quanto na sua conceituação. Se antes se pensava em música como instrumento de adoração e louvor; na música dos tradicionais hinários denominacionais e executada ao som de um harmônio ou órgão, hoje, tudo parece mudado. A música de hoje, executada ao som das guitarras e contra-baixos elétricos parece traduzir um sentimento de diversão e entretenimento. Provavelmente porque a música evangélica, aliada às várias emissoras de rádio (evangélicas), tornou-se produto de consumo, afetando sensivelmente sua função no culto. Esta nova função da música talvez tenha sido introduzida paralelamente ao crescimento do neopentecostalismo no Brasil e a introdução da música gospel, entendida no meio evangélico como música ritmada e moderna, o que não é verdade. Estes fatores têm colaborado para mudar a face das “igrejas históricas”[20] e suas liturgias. As igrejas neopentecostais adotam atitudes que permitem uma diversidade de teologias, práticas ministeriais e pastorais, e comportamentos éticos. O movimento surgido no final do século XIX, defende que “deve haver um batismo do Espírito Santo, subseqüente à conversão e ao novo
nascimento, e falar em línguas é o sinal de que a pessoa recebeu tal Dom[21]”. Em outros casos, dão ênfases a doutrinas que poderíamos classificar como secundárias, não no sentido de serem sem importância.
Leonard R. Payton, já citado, faz uma crítica ao Hosanna Music, afirmando que sua música “tem uma ênfase exagerada em um Deus como rocha, fortaleza, guerreiro, em detrimento de doutrinas essenciais”.[22] O autor continua sua crítica dizendo que eles “têm Jesus como um herói, um tipo de Arnold Schwarzenegger cristão que expulsa demônios. São percebidos demônios como fonte principal do mal e não nossa própria depravação”.[23] Esta é uma das distorções que encontramos em nossas Igrejas, pois a música comercial do Hosanna Music e de outros grupos que desenvolvem o estilo de “música gospel”, além de divulgarem doutrinas secundárias e, em alguns casos com heresias, tem trazido prejuízos ao genuíno evangelho de Cristo.
Hoje, é muito comum nas igrejas evangélicas grupos chamados “equipe de louvor”, cuja finalidade é ministrar o louvor à igreja em um certo momento do culto. Estes grupos surgiram provavelmente com o crescimento do movimento neopentecostal no Brasil, culminando no surgimento de várias denominações, como a Igreja de Nova Vida, Cristo Vive, Universal, Comunidades Evangélicas, etc. Todas elas possuem uma coisa em comum: a ênfase na música de adoração impregnada de um emocionalismo exagerado. Suas equipes de louvor têm a função de ministrar o louvor; de levar o público a um êxtase musical, de maneira que possam sentir a presença do Espírito de Deus. Formadas por jovens, estes grupos cantam..., cantam..., cantam..., até que o clima do culto seja satisfatório às necessidades de cada membro. Normalmente, um líder toma a palavra enquanto os outros participantes cantam suavemente. Logo depois, o líder começa a proferir palavras de ordem: vamos fazer isso...; fazer aquilo...; eu estou vendo isso..., eu estou vendo aquilo...A repetição de trechos musicais com grande teor de emoção intercalados a estas “falas” do líder conduzirá a congregação a experimentar um sentimento de satisfação pessoal momentâneo, pois esta prática possui, em muitos casos, um efeito passageiro, caracterizado pelo espírito de vida pós-moderno, em que o ser humano busca entretenimento e prazeres imediatos em coisas transitórias. Nestas equipes de louvor, a música é usada, talvez de forma inocente, como meio de manipulação para tornar o culto mais agradável para os crentes e visitantes. O culto que busca a satisfação do homem não é culto, pois a centralidade do culto está inquestionavelmente em Deus.
Este modelo de culto e de música, que tem encontrado espaço nas igrejas, provoca um conflito religioso cujo foco central reside no estilo musical a ser adotado para o serviço de culto. Este conflito acaba provocando a divisão da igreja em dois grupos distintos: um de jovens, que gostam de cantar somente os cânticos modernos e outro por membros mais idosos que gostam somente das músicas do hinários. Este é um conflito étnico à medida que um tenta dominar o outro através do estilo musical; à medida que um tenta impor o seu ritmo ao outro, sem uma perspectiva de diálogo em que
possam buscar um bem comum: o crescimento da igreja e seu programa de evangelização. A solução encontrada por algumas igrejas para amenizar o problema foi estabelecer um culto para jovens e outro para idosos, o que nos parece não coerente com a palavra de Deus. Em uma conferência realizada este ano na Flórida, John Hodges condenou a divisão entre adoração contemporânea e adoração tradicional e mostrou que o papel do ministro de música “é escolher música para o benefício do corpo de Cristo como um todo e não escolher músicas que servem às preferências de grupos”[24]. É esta a visão que as equipes de louvor precisam desenvolver, pois o canto deve servir para dissolver diferenças de idade, raça, idéias, etc., e não para dividir o corpo de Cristo. Tal atitude é condenada na Palavra de Deus, segundo o capítulo 2 da epístola de Tiago.
Não temos dúvidas de que as equipes de louvor possam contribuir para o ministério de música, mas é necessário rever algumas práticas que não refletem o pensamento da história litúrgica da Igreja Presbiteriana e implantar uma nova filosofia musical, onde o canto seja uma âncora contra divisões e falsas doutrinas, sendo a expressão máxima da nossa fé comum. Para tanto, é preciso que tenhamos um repertório comum de textos teológicos bons e sólidos e um repertório musical de canções que reflitam verdades bíblicas sem ambigüidades. É necessário criar uma classe específica para instrução dos levitas de nossa igreja. Assim, o modelo de equipe de louvor que nos parece adequado é aquele organizado e desenvolvido pelo rei Davi, onde todos eram instruídos no canto do Senhor; todos eram mestres. Neste modelo todos devem ter a responsabilidade da ministração do canto, seja de hinos, seja dos chamados cânticos espirituais. Todos devem ter a habilidade musical e conhecimento doutrinário necessários para o exercício do ministério musical segundo os padrões bíblicos, com moderação e equilíbrio. Desta forma, será possível, talvez, corrigir a diferença entre hinos e cânticos espirituais e resgatar o verdadeiro sentido da música no culto.
Além da influência que o movimento neopentecostal exerce sobre nossa música, podemos verificar sua influência também na prática litúrgica da igreja Presbiteriana. Esta influência atua a partir de dois aspectos: na nossa concepção de culto e na nossa ordem de culto. O “Manual Presbiteriano”, em seu capítulo III, diz o seguinte no artigo 7º: “O culto é um ato religioso, através do qual o povo de Deus adora o Senhor, entrando em comunhão com Ele, fazendo-lhe confissão de pecados e buscando, pela mediação de Jesus Cristo, o perdão, a santificação da vida e o crescimento espiritual...”[25]. Precisamos lembrar que a essência e centralidade do culto, da nossa adoração é Deus e se não for assim estaremos prestando culto e adoração a outros deuses. Deus é a única razão de nossa adoração. Valdeci dos Santos em seu artigo “Refletindo sobre a adoração e o Culto Cristão”, publicada na revista Fides Reformata, faz críticas ao modelo contemporâneo de adoração. O autor analisa o assunto sob três aspectos: 1) visão geral sobre o ensinamento bíblico a respeito do assunto; 2) uma análise de alguns dos principais fatores que têm desviado o foco cristão da verdadeira adoração; 3) uma proposta de volta aos princípios teocêntricos existentes na adoração cristã”.[26] Santos diz que a adoração contemporânea é fortemente influenciada pelo existencialismo, pelo humanismo, pelo deísmo e pelo pragmatismo.
Sobre o existencialismo, ele cita E. D. Cook que diz “que sua essência consiste na ênfase na experiência, antes que na razão”.[27] A influência existencialista se caracteriza pela ênfase aos sentimentos. Lembremos também de dois conceitos de Bultmann sobre o existencialismo. Diz Bultmann, referindo-se ao homem: “existe, por um lado, a tendência de ser guiado na vida por uma auto-orientação”[28] e “que os indivíduos de hoje crêem que podem obter verdadeira segurança por seus próprios esforços[29]”.
James M. Boice, citado por Santos diz que “a igreja, traiçoeiramente, tem se tornado egocêntrica[30]”, isso porque o crente busca uma satisfação pessoal. Faz-se tudo para que o crente ou não crente se sinta bem na igreja; para que ele possa voltar ou quem sabe fazer parte da comunidade. Santos diz ainda “que o culto foi transformado em um “programa” e o desejo de se obter “felicidade” é certamente maior do que o de obter “santidade”. Queremos avidamente alegria, mas o comprometimento tornou-se secundário. Julgamos o culto como “agradável”, não com base na instrução bíblica apresentada, mas no grau de “satisfação” pessoal alcançada”.[31] Se intentamos organizar um ministério de música é necessário revermos alguns conceitos de culto, de liturgia.
O terceiro ponto da crítica de Santos à adoração contemporânea diz respeito ao deísmo em nossa prática cristã. Segundo o autor, o deísmo “tem ressurgido no meio cristão sob a presunção de que, uma vez tendo “tomado posse” das promessas divinas para nós, podemos “reclamar” nossos direitos junto ao trono do Pai”.[32] Creio que essa distorção é devida à falta de compreensão e conhecimento sobre a Soberania de Deus. Muitos crentes acham que Deus é uma espécie de empregado, que deve cumprir todas as nossas ordens e desejos, pois pensamos... sou um crente fiel e Deus tem que fazer isso ou aquilo para mim. Com isso, continua Santos, “acreditamos na ilusão de que nossas palavras têm poder e o que “declaramos” ou “profetizamos” sobre a vida uns dos outros, e mesmo sobre a nossa vida individual, certamente acontecerá[33]”.
Por último, a adoração contemporânea é marcada por um pragmatismo, que pressupõe que nenhuma verdade é auto-evidente e completamente clara. “Uma decisão sob bases pragmáticas é uma decisão tomada não pela essência, mas pelo efeito (resultado) causado na maioria do povo cristão[34]”. Os resultados alcançados pelas igrejas neopentecostais parecem satisfatórios, pois seu crescimento é notório: templos lotados; muitos cânticos, porém, esses resultados práticos não são evidências de uma espiritualidade sadia e nem de que os mesmos resultados serão atingidos por outras denominações, a menos que estas denominações abram mão de suas origens históricas, onde a adoração é cristocêntrica.
Alguém pode argumentar sobre o que ministério de música tem a ver com liturgia(forma de adoração) e teologia? E eu responderia. Tudo. Nossa adoração é reflexo de nossa teologia e, conseqüentemente, a nossa música será reflexo das duas. Portanto, não podemos falar de uma filosofia de ministério de música, sem falar sobre teologia e adoração. É necessário abordar este tripé à luz das Sagradas Escrituras, para que possamos alcançar bons resultados.
Dentro do que foi exposto acima, gostaria de sugerir algumas atividades que poderão ser desenvolvidas pelo ministério de música. Estas atividades são o lado prático do ministério e devem seguir seu princípio filosófico Devemos observar que algumas das propostas práticas deverão ser realizadas com uma certa freqüência e outras permanentemente. Vejamos:
1. Ensino regular de cânticos (hinos e cânticos espirituais) cujos textos reflitam a teologia proposta pelo Conselho da Igreja e cujas melodias e ritmos atendam às características peculiares da Igreja Presbiteriana.
2. É necessário que todos os cânticos escolhidos no programa de culto reforcem a mensagem do pregador e que se evitem músicas cujo texto não seja oportuno ao momento de culto. Este procedimento deve ser um processo, pois reconhecemos a dificuldade de se encontrar repertório adequado a determinados assuntos.
3. Desenvolver programas de recitais de músicas como forma de elevar o nível de sensibilidade musical dos membros. Para isso, é necessário que a igreja atente para a necessidade de aquisição de instrumentos de boa qualidade sonora e de recursos técnicos. A Igreja deve ser encarada também como centro de cultura musical e estes recitais poderão contribuir para uma nova visão musical.
4. Criação de uma classe de estudos sobre louvor e adoração, onde os participantes do ministério musical sejam preparados na doutrina e na música, para assim, ensinar a Igreja.
5. Desenvolver um programa de coros graduados onde cada membro desenvolva o gosto pelo canto coral, seja ele uníssono ou a quatro partes, desde a mais tenra idade. Os benefícios deste programa são muitos, como por exemplo, o conhecimento de técnica vocal, o gosto por um estilo musical de boa qualidade técnica, a permanência e aproveitamento do corista em outras atividades musicais, etc.
6. A elaboração do programa de culto deve ser realizada em conjunto: Pastor/Ministério/Oficiante de Culto ou Pastor/Diretor de Música/Oficiante de Culto ou ainda, Pastor/Diretor de Música/Oficiante de Culto.
7. Promoção de palestras/seminários/workshops sobre teoria e prática musical, visando a ampliação e aperfeiçoamento de conhecimentos.
8. Promover visitas às salas de concertos como o Teatro Municipal, Sala Cecília Meireles, etc.
Conclusão
Se é verdade que música e teologia devem expressar os atributos de Deus, é bem verdade que tanto uma quanto a outra devem expressar estes atributos de forma clara e compreensiva, de modo a levar o cristão a ter uma visão ampla de Deus. Para isso, precisamos retornar aos princípios da teologia e música no período da reforma. Assim sendo, é necessária uma reflexão sobre a teologia empregada hoje em nossa igreja; sobre doutrinas bíblicas fundamentais indispensáveis ao cristão e, a partir daí, buscar caminhos que conduzam a uma teologia genuinamente bíblica e não a uma teologia que seja fruto de reflexões particulares de pregadores ou posições dogmáticas de determinadas denominações. Devemos lembrar que teologia pobre produz uma música pobre.
Este planejamento soa como uma primeira atitude sadia no sentido de melhorar a música na igreja, porém, nenhum projeto engenhoso será bem sucedido se não for aprovado por Deus. Esperamos que este projeto traga muitos benefícios à nossa Igreja.


Notas
[1] JOHNSON, Terry. Introdução à Adoração. Revista Premise, Vol. III, n. 1, jan. 1996. (voltar)
[2] Ibid. (voltar)
[3] SHEDD, Russell P. A Bíblia Vida Nova. Tradução para o português: João Ferreira de Almeida, Ed., rev. atual. São Paulo, Vida Nova, 1995. (voltar)
[4] Ibid. (voltar)
[5] Ibid. (voltar)
[6] Ibid. (voltar)
[7] Ibid. (voltar)
[8] PAYTON, Leonard R. “Congregational Singing and the Ministry of the Word”. Article of the Month , July 1998. (artigo de Internet disponível em: http://www.the-highway.com/articleJuly98.html) (voltar)
[9] Ibid., 1998. (voltar)
[10] Canonical Hymnody on the Web. (voltar)
[11] Ibid. (voltar)
[12] CORBIN, “L´église a la Conquête de sa Musique”. Paris, Gallimard, 1960. (voltar)
[13] Ibid., (p.127) (voltar)
[14] ELLIS, Larry D. My Vision in the Ministry of Worship and Music. (artigo de internet: http://www.worshipandchurchmusic.com. (voltar)
[15] Luther’s Works, IL:68. (voltar)
[16] JANSON, P. J. A Reason to Sing. Citando BUSZIN, W.E. The melodies of lutheran chorales. http://www.randr.org/ (voltar)
[17] WILES, Joseph PitTs As Institutas da Religião Cristã: Um Resumo. 1ª ed. em português, São Paulo, PÉS - Publicações evangélicas selecionadas, 1984. (voltar)
[18] LEHTONEN, Kimmo. Is Music an Archaic Form of Thinking?. Nordic Journal of Music Therapy, 1994. (voltar)
[19] Ibid. (voltar)
[20] N.T.: A expressão “Igrejas Históricas” deve ser entendida aqui como sendo aquelas igrejas que surgiram basicamente no movimento da reforma protestante e que adotam princípios doutrinários deste movimento. Exemplo: Presbiteriana, Batista, Congregacional, Luterana, etc. (voltar)
[21] ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. Trad., Lucy Yamakami, São Paulo, Vida Nova, 1997. (voltar)
[22] PAYTON, Leonard R. Congregational Singing and Ministry of the Word. Article of the Month , July 1998. (artigo de Internet) (voltar)
[23] Ibid. (voltar)
[24] Conferência realizada na Flórida. Music and the Word. Reformation of the Arts and Music. http//www.artsreformation.com/ (voltar)
[25] Manual Presbiteriano, 8ª ed., Casa Editora Presbiteriana, 1987. (voltar)
[26] SANTOS, Valdeci dos: Fides Reformata, Vol. III, nº2, Jul/Dez., 1998. (voltar)
[27] Ibid. (voltar)
[28] ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. Trad., Lucy Yamakami, São Paulo, Vida Nova, 1997. (voltar)
[29] Ibid. (voltar)
[30] SANTOS, Valdeci dos: Fides Reformata, Vol. III, nº2, Jul/Dez., 1998. (voltar)
[31] Ibid. (voltar)
[32] Ibid. (voltar)
[33] Ibid. (voltar)
[34] Ibid. (voltar)


Bibliografia
1) Canonical Hymnody on the Web.
2) Conferência realizada na Flórida. Music and the Word. Reformation of the Arts and Music. http//www.artsreformation.com/
3) CORBIN, “L´église a la Conquête de sa Musique”. Paris, Gallimard, 1960.
4) ELLIS, Larry D. My Vision in the Ministry of Worship and Music. (artigo de internet: http://www.worshipandchurchmusic.com/vision.html
5) ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. Trad., Lucy Yamakami, São Paulo, Vida Nova, 1997.
6) JANSON, P. J. A Reason to Sing. Citando BUSZIN, W.E. The melodies of lutheran chorales. 43
7) JOHNSON, Terry. Introdução à Adoração. Revista Premise, Vol. III, n. 1, Jan. 1996.
8) LEHTONEN, Kimmo. Is Music an Archaic Form of Thinking?. Nordic Journal of Music Therapy, 1994.
9) Luther’s Works, IL:68.
10) Manual Presbiteriano, 8ª ed., Casa Editora Presbiteriana, 1987.
11) PAYTON, Leonard R. “Congregational Singing and the Ministry of the Word”. Article of the Month , July 1998. (artigo de Internet disponível em: http://www.the-highway.com/articleJuly98.html)
12) SANTOS, Valdeci dos: Fides Reformata, Vol. III, nº2, Jul/Dez., 1998.
13) SHEDD, Russell P. A Bíblia Vida Nova. Tradução para o português: João Ferreira de Almeida, Ed., rev. atual. São Paulo, Vida Nova, 1995.
14) WILES, Joseph Pitts As Institutas da Religião Cristã: Um Resumo. 1ª ed. em português, São Paulo, PÉS - Publicações evangélicas selecionadas, 1984.


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